APONTAMENTO DE REPARTIÇÃO
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Tinha perdido as últimas esperanças.
Agora era um predestinado, como os outros. Tinha uma cadeira para sentar-se,
uma secretária vertical, à frente, carimbos, papéis, mais papéis e a
configuração rectangular da sala. O resto era igual a tudo o resto - paredes lisas e verticais, tecto horizontal do fumo
dos cigarros com filtro, estantes polidas do roçar dos livros das coisas dos
outros, luzes oblíquas, máquinas de calcular o tempo e, por cima de tudo, o
inconcebível tempo.
Mas o que mais solenemente o aborrecia
era estar entre coisas velhas, gastas - peças de repartição, das autênticas!...
Pensou que o termo funcionário é duma
lucidez espantosa.
Funcionário! - Dez, quinze, vinte, trinta anos, sentado, no mesmo
lugar, às mesmas horas, a escrever os mesmos números!...
Na sala havia um velho relógio de
parede, também peça de museu - reparou, quando, depois de receber as primeiras instruções do chefe,
olhou à volta, numa tentativa de síntese rápida.
... E os outros também irremediáveis funcionários a aproveitar a
oportunidade para pôr os braços em descanso, sob pretexto de curiosidade
indefinida.
... E as janelas, fechadas, fechadas por
causa do frio e cortinadas por causa do sol.
... E o chão da sala em paralelipípedes de
madeira castanha.
... E o relógio, subitamente, visto mais
de longe, sem ponteiros!
Sentou-se no lugar que lhe indicaram e
não desgostou. Era ao fundo da sala, escondido, bom ponto de observação. Por
uma réstia de janela miraculosamente aberta podia até ver-se um céu azul e
nuvens brancas em liberdade.
Mas, de repente, a curiosidade dos
outros, agora mais definida:
"Que habilitações tem? Tem o curso
do Comércio? "
"Não, não... Tenho o curso do Liceu...
"
"Ah, melhor... melhor!... Por que
não concorre para aspirante? Concorra! Concorra! "
Vozes de todos os lados: "Concorra!...
concorra!... "
rrr... rrr...
Concorra, concorra!...
rrr... rrr...
De todos os lados: rrr... rrr...
"Bem… eu... Talvez... " - Sentia-se um pouco confuso.
"Concorra, concorra!... "
rrr... rrr... rrr...
Nada feito.
O relógio marcava cinco e vinte. "
Nunca mais chegava a hora de sair!
E só quando olhou outra vez o relógio, é
que notou que os ponteiros estavam parados.
Eternamente parados.
Eternamente parados, à espera das
derradeiras cinco e meia que nunca mais viriam.
Rotinas. Insuportáveis repetições. Melhor assim.
ResponderEliminarUm grande bj querido amigo e uma linda Páscoa para ti.