quinta-feira, 8 de março de 2012

O CARNAVAL E A QUARESMA

CARNAVAL
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Rigorosamente, segundo Bula Papal datada do ano 350 da Era Cristã, o período da Quaresma começa logo a seguir ao Carnaval, um segundo depois da meia-noite de Terça-feira de Entrudo. Mas, entre nós, a determinação do papa Júlio I, há muito tempo que foi relegada para o esquecimento.
Os padres bem podem vestir a paramenta roxa da quadra religiosa, mas ela só adquire o seu verdadeiro sentido e efeito, quando se escoarem os restos festivos da festa pagã do corpo. E isso só virá a acontecer... Quaresma adentro!
E é assim que naquele Entrudo de há cinquenta anos, o último baile de Carnaval haveria de durar até já bem depois do nascer do sol!... Aliás, como era costume naquela Sociedade Recreativa – a mais castiça, a mais genuína da cidade – o Marítimo!
À meia-noite – e certamente não para anunciar o princípio da abstinência, recolhimento e oração –, as luzes da sociedade apagaram-se e acenderam-se três vezes. Era sim, para a saída das máscaras! A partir daí, só era permitida a presença dos sócios, e todos deveriam ter a cara a descoberto, para a continuação do baile.
A porta de entrada foi fechada. Não era para ninguém entrar, mas sim… para ninguém sair! As janelas, essas, tinham as gelosias corridas… muito provavelmente para esconder a claridade do sol, quando ele viesse.
A orquestra “Os Merry Boys”, muito popular na época, encetou a parte final do baile, com marchas, slows e tangos, tão do agrado dos mais velhos, já com a perna cansada.
E a cada nova série, os mancebos iam buscar as moças que se encontravam disponíveis, num cerimonial cortês, de grande galhardia e leveza.
Depois havia de tudo: o puro prazer da dança, ou as promessas de amor, a volúpia disfarçada e a luxúria possível a coberto do tango ou dos slows, sob o olhar atento das mães e avós que se sentavam ao redor do recinto, a espreitar qualquer indício de rebaldaria.
A noite avançava sem ninguém dar por isso. Percebia-se, sim, o cansaço que se via nos rostos, e a humidade que pairava no ar e se condensava nas vidraças, misturada com o aroma ácido do bom azeite desses tempos, a fritar postas de moreia, no bufete. Os homens tinham posto de lado o casaco e aberto o colarinho da inevitável gravata. As camisas colavam-se ao suor dos corpos.
Eram quase seis da manhã, quando começou o baile mandado, mandado a preceito por um mandador de ocasião, que ensaiou as primeiras quadras, ao som da música, que começava a ameaçar tornar-se frenética!
– Vai de roda! Vai de roda, sem parar!
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Dá-lhe um toque mais acima
dá-lhe um toque mais abaixo
dá-me a tua pintassilga
pra brincar com o meu cartaxo!
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Esta noite toda a noite
uma menina e mais eu
coitadinha não sabia
todo o trabalho foi meu!
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Uma velha muita velha
foi mijar ao rocio
deu-lhe o vento na lòlinha...
até mijou de assobio!
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E foi então que alguém gritou:
– O corridinho!... Vai tudo dançar o corridinho!
Mesmo as velhas saltaram dos lugares e algumas foram buscar os já meio-bêbados maridos que bebiam copos de vinho tinto e medronhos, no bufete!
Na sala de baile, os pares rodopiavam, ensaiando os passos, as "escovinhas" e as correduras próprias da tradição e dos floreados do acordéon. Multiplicavam-se os encontrões e as pisadelas dos menos lestos. A água de condensação começou a cair do tecto, em grossas gotas. Mas a pura alegria voltava aqueles rostos cansados. Festa é festa! E só no ano seguinte haveria outra igual.
Por fim, ao fim dum tempo, os pares foram rareando, esgotadas as forças dos mais velhos. Mas os resistentes não davam mostras de abrandar e muito menos desistir.
– Siga o baile!... – ouvia-se com frequência.
Até que, umas boas duas horas depois de ter começado a sucessão interminável de corridinhos, uns a seguir aos outros, o presidente da colectividade subiu ao palco, mal podendo respirar, e anunciou em voz grave, mas contrafeita e entristecida.
– Prezados consócios!... O baile tem de terminar. São quase nove e meia da manhã!...
E, após uma pequena pausa para recuperar o bafo, rematou, ofegante, suado até à medula:
Mai logo há matinè... às quatro da tarde!...

terça-feira, 6 de março de 2012

AMTOLOGIA AR - BRASIL






Acaba de sair a antologia AR,

do Editorial Beco Dos Poetas,

de S. Paulo,

onde estou

representado.