As Flores da Terra
.Naquela manhã, Miss Simpson levantou-se há mesma hora de todos os dias, saiu de casa para regar as flores do quintal e admirar a linda rosa vermelha que desabrochara no dia anterior. Mas a rosa desaparecera. Tinha sido cortada pelo caule, talvez com uma ou duas folhas. Fleumaticamente, a solteirona inglesa encolheu os ombros e iniciou o seu trabalho matinal. Havia mais uns botões a despontar. Dentro de poucos dias teria outras rosas vermelhas.
A essa mesma hora, uma pequena sonda descia numa região remota da Austrália, para colher uma vistosa perónia branco/rosa. Depois subiu ao céu, bem alto, até à nave que a esperava. Aí, abriu-se uma portinhola com uma espécie de prato, onde a sonda depositou a flor, e a nave recolheu-a. Iria ser fotografada em vários ângulos, analisada a sua textura, as folhas, os seus componentes e os respectivos compostos, sendo depois todos esses dados enviados para o distante planeta donde viera. Quando todo o trabalho estivesse concluído, seria elaborado um catálogo para distribuir por esse distante planeta, para que todos pudessem admirar a beleza das flores da Terra.
A pequena sonda voltou a descer, desta vez na Nova Zelândia, onde também era noite. Colheu éricas, um raminho de rústicas tawaris de pétalas brancas, com seus longos estames arroxeados, e voltou à nave. Umas boas horas passadas, desceu nos Açores e colheu uma vidália, com as suas inflorescências cerosas, pendentes e delicadas, de corola campanulada de cor branca rosada, endémica nessas ilhas atlânticas.
Havia muito trabalho pela frente. Mas os radars dos homenzinhos da Terra, não tinham ainda dado por elas. No entanto, um astrónomo amador, ao fotografar uma determinada região do céu, apercebeu-se de que uma estrela que por aí deveria estar, tinha desaparecido! Pensou rapidamente e concluiu que tinha sido ocultada. Talvez por um asteróide, dos muitos que se que interpõem na órbita do planeta. Registou as suas coordenadas e outros parâmetros e comunicou para a Agência Espacial. E logo os computadores rastrearam todos os registos e concluíram que o intruso não poderia ser um asteróide e, muito menos, um satélite terrestre artificial. E assim que alguém aventou a hipótese de ser uma nave extraterrestre, todas aquelas cabeças se puseram a pensar na maneira de trazê-la para a Terra.
Entretanto, a pequena sonda continuava o seu trabalho. Do catálogo já constavam magnólias do Himalaias, um lótus branco adorado pelos taoistas chineses desde o século IV, malmequeres, flores de cerejeiras do Japão, adornos amarelos com que se enfeitam os cactos do Arizona, papoilas várias, lírios e begónias, as perfumadas flores do pau-brasil, e teve um trabalho imenso na Colômbia a colher milhares de espécies de orquídeas.
Enquanto isso, os homenzinhos da Terra descobriam a maneira de trazer a nave, cá para baixo, para desvendar os seus segredos. Um enorme foguetão subiu pelos ares, na sua direcção, até a uns cem quilómetros de altura. Ao chegar - ajustadas as velocidades -, enrolaram a nave numa espécie de rede metálica, e os retro-foguetões do veículo espacial começaram a trazer a nave, na direcção do solo. Porém, logo à entrada na atmosfera terrestre, a nave começou a esboroar-se, reduzindo-se a pouco e pouco, consumindo-se em cinzas. A pequena sonda, desgovernada, estatelou-se no grande deserto do Saará.
E a essa mesma hora, Miss Simpson, que acabara de transpor a porta que levava ao jardim, constata, com grande tristeza e espanto, que as suas lindas rosas vermelhas tinham murchado, debutado, e as suas pétalas pendiam, vergadas, tristes, para a terra.